sábado, 5 de junho de 2010

Senador Delcídio apresenta parecer pela aprovação do PLC 8/10

O Senador Delcídio Amaral (PT-MS) publicou em sua página na internet(*) no começo de maio de 2010 (dia 7/5) o texto do seu parecer, favorável à aprovação do PLC 8/10 (capitalização da Petrobras), nos termos do texto aprovado pela Câmara dos Deputados. O Senador propõe a rejeição das emendas apresentadas ao projeto no Senado. Dois dias antes, em 5/5, Delcídio proferiu discurso da tribuna do Senado, falando do seu entendimento a respeito do marco regulatório do pré-sal.

A previsão é que o PLC 8/10 seja votado na próxima quarta-feira, dia 9/6/10. Veja abaixo a íntegra do parecer.


PARECER Nº (Preliminar) , DE 2010

Da COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 8, de 2010 (PL nº 5.941, de 2009, na origem), que autoriza a União a ceder onerosamente à Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177 da Constituição, e dá outras providências.

RELATOR: Senador DELCÍDIO AMARAL

I – RELATÓRIO

De iniciativa do Chefe do Poder Executivo e submetido a regime de urgência constitucional, o PLC nº 08, de 2010, tem o objetivo de (i) autorizar a União a ceder onerosamente a Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177 da Constituição, e (ii) autorizar a União a subscrever ações do capital social da PETROBRAS e a integralizá-las com títulos da dívida pública mobiliária federal.

A Exposição de Motivos (E.M.I.) nº 00039 - MME/MF/MDIC/MP/CCIVIL, que reuniu os Ministérios de Minas e Energia, da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Planejamento, Orçamento e Gestão e a Casa Civil na sustentação da necessidade da proposição em causa, valeu-se, em resumo, dos seguintes argumentos:

1. A proposta justifica-se pelo interesse da União, na condição de acionista controladora da PETROBRAS, em fortalecer a empresa com vistas a dotá-la com os recursos decorrentes de áreas que se caracterizam pelo baixo risco exploratório e representam considerável potencial de rentabilidade;

2. Ao viabilizar a cessão onerosa, a União cria as condições para a exploração do Pré-Sal, otimizando a participação da sociedade brasileira nas receitas decorrentes das riquezas representadas por esta importante e singular descoberta; e

3. A imediata exploração dessas áreas pela PETROBRAS é vantajosa para a União, posto que permite à sociedade, em última instância, antecipar o usufruto dos benefícios representados pelo Pré-Sal. Além do mais, dado que a União não possui, ela própria, a estrutura necessária para as atividades exploratórias desse potencial petrolífero, ao ceder o exercício dessas atividades à PETROBRAS, em contrapartida a uma compensação adequada, a União também contribui para o crescimento e fortalecimento de uma empresa nacional, da qual é acionista controladora.

Examinado na Câmara dos Deputados, um substitutivo ao PL nº 5.941/2009 (PLC nº 08/2010) foi aprovado pela Comissão Especial, presidida pelo deputado Arnaldo Jardim e de relatoria do Deputado João Maia.

Em 11.03.2010, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados encaminhou o Projeto de Lei ao Senado Federal, através do Ofício nº 46/10/PS-GSE.

Recebido no Senado na mesma data, o Projeto foi submetido, nos termos do art. 375 do Regimento Interno, à apreciação simultânea das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ, de Assuntos Econômicos – CAE e de Serviços de Infraestrutura – CI.

A Presidência do Senado Federal, em 11.03.2010, recebeu a Mensagem nº 82 de 2010 (Mensagem nº 118/2010, na origem), do Presidente da República, solicitando que o PLC passasse a tramitar em regime de urgência, nos termos previstos no § 1º do art. 64 da Constituição Federal.

Diante disso, a Presidência do Senado Federal informou aos Senadores que, no período de 24 a 30 de março de 2010, poderiam apresentar emendas perante a primeira Comissão do despacho, pelo prazo único de cinco dias úteis, de acordo com o art. 122, II, b c/c art. 375, I, do Regimento Interno.

II – EMENDAS

O PLC nº 08, de 2010 recebeu 5 emendas.

A Emenda nº 01, de autoria do Senador Paulo Paim, objetiva suprimir a previsão constante da parte final do § 3º e o § 4º do art. 1º do PLC.

A Emenda nº 02, proposta pelo Senador Inácio Arruda, tem por objetivo alterar a redação do § 4º do art. 1º, do art. 3º e do art. 11 do PLC.

A Senadora Marina Silva apresentou as Emendas nºs 03 e 05, propondo, respectivamente, a alteração do parágrafo único do art. 2º, e a inclusão do art. 12 e § 1º.

A Emenda nº 04, apresentada pelo Senador Renato Casagrande, inclui os §§ 2º, 3º, 4º e 5º ao art. 3º, renumerando o atual parágrafo único para § 1º.

III – ANÁLISE

Trata-se de proposição cuja relevância pode ser medida pelo caráter estratégico do desenvolvimento do pré-sal para o país.

Antes, contudo, de discutir o mérito da proposta, gostaríamos de tecer algumas considerações sobre seus aspectos legais e econômicos.

a) Constitucionalidade do regime de cessão onerosa

Com a EC nº 09/95, a Constituição passou a admitir a contratação com empresas estatais ou privadas para a realização das atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural (art. 177, inciso I), admissibilidade essa que ainda dependia de lei para ter eficácia (a Lei nº 9.478/97 decorre desta disposição constitucional e regula uma das formas possíveis para estas contratações).

Assim, foi promulgada a Lei nº 9.478/97, que não fechou, e nem poderia tê-lo feito, sob pena de violação à Constituição Federal, a possibilidade de, também por lei, se criarem outras modalidades contratuais para o exercício das atividades referidas no inciso I e § 1º do citado art. 177.

Note-se que o STF, no voto do Ministro EROS GRAU proferido na ADI 3273, já deixou claro que o art. 177 admite que a lei crie inúmeras espécies contratuais para permitir o exercício indireto do monopólio, sendo o contrato de concessão apenas uma das espécies legislativamente cogitáveis, se não vejamos:

“Nos termos do § 1º do artigo 177 da Constituição do Brasil, essas contratações - contratações, note-se bem, não concessões - seriam materialmente impossíveis sem que os contratados da União se apropriassem, direta ou indiretamente, do produto da exploração das jazidas de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos. Apropriação direta ou indireta – enfatizo – no quadro das inúmeras modalidades de contraprestação atribuíveis ao contratado, a opção por uma das quais efetivamente consubstancia, como anteriormente afirmado, uma escolha política. (...)

(…) o parágrafo que substituiu o contemplado na redação original da constituição conteve os efeitos do monopólio no plano da atividade, autorizando expressamente a União a contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV do art. 177, observadas as condições estabelecidas em lei (…)

(…) A opção pelo tipo de contrato a ser celebrado com as empresas que vierem a atuar no mercado petrolífero não pertence ao Poder Judiciário: este não pode se imiscuir em decisões de caráter político. Opção pelo tipo de contrato a ser celebrado pela União e as empresas é, sem duvida, opção política.” STF, ADI 3273, trecho do voto do Min. Eros Grau, grifos nossos.

Deste modo, o regime contratual a ser estabelecido para as atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, consubstancia uma opção política do Estado alicerçada no pilar constitucional do art. 177 da Constituição Federal, que determinou que a forma de contratação para o exercício do monopólio sobre as atividades petrolíferas cabe ao poder legislativo. O regime da cessão onerosa, que o PLC nº 08 cria, se consubstancia em uma dessas modalidades.

Ressalte-se, além disso, que a cessão onerosa de direitos exploratórios e de produção de uma quantidade determinada de barris de petróleo não representa uma alienação da jazida em si, o que seria expressamente vedado pela própria Constituição Federal, que estabelece que pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos (art. 20 da Constituição Federal - CF/88). Nem mesmo lei, que seria inconstitucional, poderia autorizar a sua alienação.

O referencial ao número de barris consiste, portanto, em providência que visa a satisfazer a necessidade de deixar o objeto contratual determinado, o que poderia ser feito geograficamente, temporalmente ou, como o PLC preferiu, quantitativamente.

O que pode ser transferido à iniciativa privada em razão do art. 177 não é a jazida, mas sim a atividade de aproveitá-la economicamente, cabendo a quem o fizer, pelo próprio direito de empresa, os frutos decorrentes da sua atividade, no caso os barris de petróleo.

Sendo assim, a cessão onerosa de direitos de exercer o monopólio da União de exploração e produção de petróleo e gás natural não constitui alienação da própria jazida, mas apenas a transferência do direito de exercer a atividade econômica monopolizada pela União até o limite de barris estabelecido no § 1º do art. 1º do PLC, ao que deve ser acrescida, no instrumento contratual a ser celebrado, a área em que poderá se dar tal produção

b) Dispensa de licitação para contratar a PETROBRAS

O próprio texto da Constituição, no art. 37, XXI, prevê a possibilidade de a lei estipular situações em que não se exigirá licitação, sendo certo que há muitas leis ordinárias que prevêem dispensa de licitação.

Sem prejuízo dessa possibilidade, é sabido que a Lei que dispensar a licitação terá que se pautar pelos princípios da legitimidade e da razoabilidade para que se revista de constitucionalidade.

Neste sentido, é legítima e razoável a decisão política da União em utilizar ente da sua administração pública (através da contratação direta da PETROBRAS) para realizar atividade que considera estratégica e relevante para o interesse coletivo.

A dispensa de licitação em favor da PETROBRAS resguarda o princípio da isonomia extraído do art. 173, § 1º, II. Isto porque o art. 173 da CF (regime das empresas privadas) reconhece a possibilidade de relativização desta regra (“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição”). Assim, de forma expressa, o art. 177 da CF, ao estabelecer que as atividades de pesquisa e lavra de petróleo são monopólio da União, permite afastar a atuação privada, facultando o exercício das atividades monopolizadas de forma exclusiva pela União, através dos entes de sua administração pública.

Igualmente, a dispensa de licitação em favor da PETROBRAS preserva os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência previstos no art. 170 da CF.

A própria CF, ao estabelecer os monopólios públicos, expressamente excepciona a livre iniciativa e a livre concorrência nas atividades econômicas estabelecidas originariamente como monopólio estatal.

O monopólio (exclusividade no exercício de determinada atividade econômica) é a antítese da livre iniciativa e da livre concorrência. Assim, se a União houver por bem exercer as atividades monopolizadas por meio de um dos seus entes, afastando a livre iniciativa e a livre competição, não estará contrariando os ditames dos arts. 170 e 173 da CF.

Assim, também, se o PLC estabelecer dispensa de licitação em favor da PETROBRAS, para aquelas atividades de E&P nas áreas referentes à cessão onerosa, está afastada, por regra de mesma hierarquia, a hipótese do art. 61 da Lei do Petróleo, que enseja a atuação da PETROBRAS em livre concorrência com outras empresas, aplicável tão somente quando o Estado definir que haverá concorrência em determinadas áreas.

Vale finalmente ressaltar que a dispensa de licitação para contratar a PETROBRAS não inova no ordenamento jurídico infraconstitucional, já tendo sido adotada anteriormente pela própria Lei do Petróleo, nos arts. 32, 33 e 34.

Sob a égide dos dispositivos acima citados foram celebrados 397 contratos de concessão com a PETROBRAS, por dispensa de licitação, no que se convencionou chamar de Rodada Zero de Licitações da ANP.

c) A precificação da cessão onerosa

O balanceamento econômico-financeiro da cessão onerosa está assegurado pelo mecanismo contemplado pelo PLC para a avaliação dos direitos a serem cedidos. Esse mecanismo prevê a emissão de laudos independentes a serem produzidos por entidades certificadoras internacionais, que deverão observar as melhores práticas da indústria. Isto implica necessariamente uma justa valoração dos direitos, levando-se em consideração todas as variáveis necessárias à sua correta precificação, quais sejam: a curva de preço futuro de petróleo, o custo de produção, os royalties incidentes, os investimentos necessários, o grau de conhecimento das reservas, o volume de óleo, a curva de produção, a aplicação de uma taxa de desconto usual para transações congêneres. Trata-se de metodologia de avaliação de ativos (direitos de explorar e produzir petróleo e gás natural) de ampla adoção no mercado mundial.

Outra importante previsão do PLC é a de o valor de tais direitos será necessariamente revisto, tão logo se alcance maior conhecimento das variáveis envolvidas na avaliação, como forma de garantir que (i) a União receba efetivamente o valor econômico representativo da cessão onerosa no momento desta reavaliação e (ii) a PETROBRAS tenha pago o valor justo pelos direitos adquiridos.

d) A situação dos acionistas minoritários da PETROBRAS no regime de cessão onerosa

O regime de cessão onerosa não propiciaria, a priori, benefício ou lesão aos acionistas da PETROBRAS, minoritários ou não, porque, como o próprio nome do contrato diz, a cessão será onerosa, o que, em princípio, implica uma relação de equivalência de prestações. Assim sendo, os critérios de fixação do preço e da forma de aquisição dos direitos é que devem ter sua razoabilidade aferida.

Quanto a esse aspecto, o PLC estabelece que a valoração da cessão onerosa dar-se-á “a partir de laudos técnicos produzidos por entidades certificadoras, observadas as melhores práticas da indústria”, isto é, o valor a ser definido para a cessão onerosa será um valor que necessariamente refletirá a prática de mercado.

Desta forma, a União não será prejudicada, com benefício de minoritários da PETROBRAS, nem acionistas minoritários serão prejudicados, com consequente benefício da União. O PLC estrutura a operação para que esta garanta uma relação de troca justa e equilibrada entre a União, cedente dos direitos, e a PETROBRAS, cessionária dos mesmos.

Além disso, qualquer inexatidão na valoração inicial da cessão onerosa, decorrente do atual estágio de conhecimento das áreas que serão objeto desta cessão, deverá ser sanada com a revisão de valor que está prevista no PLC, em seu artigo 6º inciso V, que ocorrerá após a celebração do contrato. No momento da revisão, já se terá o conhecimento necessário para se definir, com a precisão adequada, os reais custos de investimentos e de operação, o que permitirá corrigir qualquer eventual imprecisão do valor inicial.

Eventuais contradições e conflitos de interesses - em especial o interesse público justificador de sua criação e o interesse dos acionistas minoritários em obter lucratividade - são inerentes à própria natureza híbrida das sociedades de economia mista. E, como a figura dessas sociedades encontra-se constitucionalmente positivada (p. ex., art. 37, XIX e 173, § 1º, da CF), ou seja, está expressamente admitida na Constituição, fica ao alvedrio do Legislador decidir quanto à criação e atribuição de atividades a sociedades de economia mista ou a outros modelos organizacionais deixados à sua disposição pelo Constituinte.

Em tal situação estariam, por exemplo, todas as inúmeras sociedades de economia mista federais, estaduais e municipais que receberam com exclusividade dos seus entes controladores a exploração de serviços públicos econômicos, muitos deles com grande potencial lucrativo e cobiçados pela iniciativa privada, como o fornecimento de água e a coleta de lixo domiciliar.

Quanto às emendas, apresentamos a seguir nossa análise e posição.

A Emenda nº 01 visa a excluir a possibilidade de a PETROBRAS devolver áreas de concessão relativas a campos terrestres em desenvolvimento ou em produção, como parte do pagamento pela cessão onerosa, num montante equivalente a 100.000.000 (cem milhões) de boe (barris de óleo equivalente) de petróleo e/ou gás de volumes recuperáveis. Assim, somos contrários à exclusão proposta, pela mesma justificativa pela qual tal disposição foi inserida no Projeto de Lei original, qual seja, estimular as empresas independentes de petróleo e gás natural de pequeno e médio porte.

Somos contrários à Emenda nº 02, tendo em vista que esta possui, em essência, o mesmo conteúdo da Emenda nº1.

As Emendas nºs 03 e 05 propõem, respectivamente, (i) o pagamento de uma compensação pela emissão de gases de efeito estufa decorrentes da exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, e (ii) a realização de estudos técnico-ambientais na identificação e delimitação geográfica das áreas objeto da cessão onerosa. Com relação à primeira proposição, somos contrários por já existirem compensações ambientais na legislação vigente No que tange à segunda proposição, somos contrários, já que estudos técnico-ambientais serão realizados após a assinatura do contrato, conforme estabelece a legislação vigente.

E, finalmente, manifestamos nossa contrariedade à Emenda nº 04, pois a pré-definição de valores, tanto para os barris relacionados à cessão onerosa, quanto para as áreas a serem potencialmente devolvidas pela PETROBRAS, fere as melhores práticas da indústria, que prescrevem metodologia específica e bem conhecida para se utilizar em tal situação. Além disso, o valor proposto na Emenda (25% do valor médio do petróleo) é incoerente, pois para a valoração devem ser considerados os investimentos, os custos operacionais e outros elementos, trazidos a valor presente, do que deverá resultar em um valor para o barril diferente do então proposto. Em verdade, o valor proposto na emenda muito provavelmente inviabilizaria a operação.

IV – VOTO

Ante as razões comentadas, voto pela APROVAÇÃO do PLC nº 08, de 2010, sem o acatamento das Emendas de n.ºs 01 a 05.



(*) Atualização em 22/6/10: A página na qual o parecer foi publicado em 7/5/10 foi retirada do ar e em seu lugar foi aberta uma nova página com data de 8/6/10. O parecer colocado nesta nova página segue abaixo transcrito.

PARECER Nº , DE 2010

De PLENÁRIO, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 8, de 2010 (PL nº 5.941, de 2009, na origem), que autoriza a União a ceder onerosamente à Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177 da Constituição, e dá outras providências.

RELATOR: Senador DELCÍDIO AMARAL

I – RELATÓRIO

De iniciativa do Chefe do Poder Executivo e submetido a regime de urgência constitucional, o PLC nº 08, de 2010, tem o objetivo de (i) autorizar a União a ceder onerosamente a Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177 da Constituição, e (ii) autorizar a União a subscrever ações do capital social da PETROBRAS e a integralizá-las com títulos da dívida pública mobiliária federal.

A Exposição de Motivos (E.M.I.) nº 00039 - MME/MF/MDIC/MP/CCIVIL, que reuniu os Ministérios de Minas e Energia, da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Planejamento, Orçamento e Gestão e a Casa Civil na sustentação da necessidade da proposição em causa, valeu-se, em resumo, dos seguintes argumentos:

1. A proposta justifica-se pelo interesse da União, na condição de acionista controladora da PETROBRAS, em fortalecer a empresa com vistas a dotá-la com os recursos decorrentes de áreas que se caracterizam pelo baixo risco exploratório e representam considerável potencial de rentabilidade;

2. Ao viabilizar a cessão onerosa, a União cria as condições para a exploração do Pré-Sal, otimizando a participação da sociedade brasileira nas receitas decorrentes das riquezas representadas por esta importante e singular descoberta; e

3. A imediata exploração dessas áreas pela PETROBRAS é vantajosa para a União, posto que permite à sociedade, em última instância, antecipar o usufruto dos benefícios representados pelo Pré-Sal. Além do mais, dado que a União não possui, ela própria, a estrutura necessária para as atividades exploratórias desse potencial petrolífero, ao ceder o exercício dessas atividades à PETROBRAS, em contrapartida a uma compensação adequada, a União também contribui para o crescimento e fortalecimento de uma empresa nacional, da qual é acionista controladora.

Examinado na Câmara dos Deputados, um substitutivo ao PL nº 5.941/2009 (PLC nº 08/2010) foi aprovado pela Comissão Especial, presidida pelo deputado Arnaldo Jardim e de relatoria do Deputado João Maia.

Em 11.03.2010, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados encaminhou o Projeto de Lei ao Senado Federal, através do Ofício nº 46/10/PS-GSE.

Recebido no Senado na mesma data, o Projeto foi submetido, nos termos do art. 375 do Regimento Interno, à apreciação simultânea das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ, de Assuntos Econômicos – CAE e de Serviços de Infraestrutura – CI.

A Presidência do Senado Federal, em 11.03.2010, recebeu a Mensagem nº 82 de 2010 (Mensagem nº 118/2010, na origem), do Presidente da República, solicitando que o PLC passasse a tramitar em regime de urgência, nos termos previstos no § 1º do art. 64 da Constituição Federal.

Diante disso, a Presidência do Senado Federal informou aos Senadores que, no período de 24 a 30 de março de 2010, poderiam apresentar emendas perante a primeira Comissão do despacho, pelo prazo único de cinco dias úteis, de acordo com o art. 122, II, b c/c art. 375, I, do Regimento Interno.

II – EMENDAS

O PLC nº 08, de 2010 recebeu 5 emendas.

A Emenda nº 01, de autoria do Senador Paulo Paim, objetiva suprimir a previsão constante da parte final do § 3º e o § 4º do art. 1º do PLC.

A Emenda nº 02, proposta pelo Senador Inácio Arruda, tem por objetivo alterar a redação do § 4º do art. 1º, do art. 3º e do art. 11 do PLC.

A Senadora Marina Silva apresentou as Emendas nºs 03 e 05, propondo, respectivamente, a alteração do parágrafo único do art. 2º, e a inclusão do art. 12 e § 1º.

A Emenda nº 04, apresentada pelo Senador Renato Casagrande, inclui os §§ 2º, 3º, 4º e 5º ao art. 3º, renumerando o atual parágrafo único para § 1º.

III – ANÁLISE

Trata-se de proposição cuja relevância pode ser medida pelo caráter estratégico do desenvolvimento do pré-sal para o país.

Antes, contudo, de discutir o mérito da proposta, gostaríamos de tecer algumas considerações sobre seus aspectos legais e econômicos.

a) Constitucionalidade do regime de cessão onerosa

Com a EC nº 09/95, a Constituição passou a admitir a contratação com empresas estatais ou privadas para a realização das atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural (art. 177, inciso I), admissibilidade essa que ainda dependia de lei para ter eficácia (a Lei nº 9.478/97 decorre desta disposição constitucional e regula uma das formas possíveis para estas contratações).

Assim, foi promulgada a Lei nº 9.478/97, que não fechou, e nem poderia tê-lo feito, sob pena de violação à Constituição Federal, a possibilidade de, também por lei, se criarem outras modalidades contratuais para o exercício das atividades referidas no inciso I e § 1º do citado art. 177.

Note-se que o STF, no voto do Ministro EROS GRAU proferido na ADI 3273, já deixou claro que o art. 177 admite que a lei crie inúmeras espécies contratuais para permitir o exercício indireto do monopólio, sendo o contrato de concessão apenas uma das espécies legislativamente cogitáveis, se não vejamos:

“Nos termos do § 1º do artigo 177 da Constituição do Brasil, essas contratações - contratações, note-se bem, não concessões - seriam materialmente impossíveis sem que os contratados da União se apropriassem, direta ou indiretamente, do produto da exploração das jazidas de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos. Apropriação direta ou indireta – enfatizo – no quadro das inúmeras modalidades de contraprestação atribuíveis ao contratado, a opção por uma das quais efetivamente consubstancia, como anteriormente afirmado, uma escolha política. (...)


(…) o parágrafo que substituiu o contemplado na redação original da constituição conteve os efeitos do monopólio no plano da atividade, autorizando expressamente a União a contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV do art. 177, observadas as condições estabelecidas em lei (…)

(…) A opção pelo tipo de contrato a ser celebrado com as empresas que vierem a atuar no mercado petrolífero não pertence ao Poder Judiciário: este não pode se imiscuir em decisões de caráter político. Opção pelo tipo de contrato a ser celebrado pela União e as empresas é, sem duvida, opção política.” STF, ADI 3273, trecho do voto do Min. Eros Grau, grifos nossos.

Deste modo, o regime contratual a ser estabelecido para as atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, consubstancia uma opção política do Estado alicerçada no pilar constitucional do art. 177 da Constituição Federal, que determinou que a forma de contratação para o exercício do monopólio sobre as atividades petrolíferas cabe ao poder legislativo. O regime da cessão onerosa, que o PLC nº 08 cria, se consubstancia em uma dessas modalidades.

Ressalte-se, além disso, que a cessão onerosa de direitos exploratórios e de produção de uma quantidade determinada de barris de petróleo não representa uma alienação da jazida em si, o que seria expressamente vedado pela própria Constituição Federal, que estabelece que pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos (art. 20 da Constituição Federal - CF/88). Nem mesmo lei, que seria inconstitucional, poderia autorizar a sua alienação.

O referencial ao número de barris consiste, portanto, em providência que visa a satisfazer a necessidade de deixar o objeto contratual determinado, o que poderia ser feito geograficamente, temporalmente ou, como o PLC preferiu, quantitativamente.

O que pode ser transferido à iniciativa privada em razão do art. 177 não é a jazida, mas sim a atividade de aproveitá-la economicamente, cabendo a quem o fizer, pelo próprio direito de empresa, os frutos decorrentes da sua atividade, no caso os barris de petróleo.

Sendo assim, a cessão onerosa de direitos de exercer o monopólio da União de exploração e produção de petróleo e gás natural não constitui alienação da própria jazida, mas apenas a transferência do direito de exercer a atividade econômica monopolizada pela União até o limite de barris estabelecido no § 1º do art. 1º do PLC, ao que deve ser acrescida, no instrumento contratual a ser celebrado, a área em que poderá se dar tal produção


b) Dispensa de licitação para contratar a PETROBRAS

O próprio texto da Constituição, no art. 37, XXI, prevê a possibilidade de a lei estipular situações em que não se exigirá licitação, sendo certo que há muitas leis ordinárias que prevêem dispensa de licitação.

Sem prejuízo dessa possibilidade, é sabido que a Lei que dispensar a licitação terá que se pautar pelos princípios da legitimidade e da razoabilidade para que se revista de constitucionalidade.

Neste sentido, é legítima e razoável a decisão política da União em utilizar ente da sua administração pública (através da contratação direta da PETROBRAS) para realizar atividade que considera estratégica e relevante para o interesse coletivo.

A dispensa de licitação em favor da PETROBRAS resguarda o princípio da isonomia extraído do art. 173, § 1º, II. Isto porque o art. 173 da CF (regime das empresas privadas) reconhece a possibilidade de relativização desta regra (“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição”). Assim, de forma expressa, o art. 177 da CF, ao estabelecer que as atividades de pesquisa e lavra de petróleo são monopólio da União, permite afastar a atuação privada, facultando o exercício das atividades monopolizadas de forma exclusiva pela União, através dos entes de sua administração pública.

Igualmente, a dispensa de licitação em favor da PETROBRAS preserva os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência previstos no art. 170 da CF.

A própria CF, ao estabelecer os monopólios públicos, expressamente excepciona a livre iniciativa e a livre concorrência nas atividades econômicas estabelecidas originariamente como monopólio estatal.

O monopólio (exclusividade no exercício de determinada atividade econômica) é a antítese da livre iniciativa e da livre concorrência. Assim, se a União houver por bem exercer as atividades monopolizadas por meio de um dos seus entes, afastando a livre iniciativa e a livre competição, não estará contrariando os ditames dos arts. 170 e 173 da CF.

Assim, também, se o PLC estabelecer dispensa de licitação em favor da PETROBRAS, para aquelas atividades de E&P nas áreas referentes à cessão onerosa, está afastada, por regra de mesma hierarquia, a hipótese do art. 61 da Lei do Petróleo, que enseja a atuação da PETROBRAS em livre concorrência com outras empresas, aplicável tão somente quando o Estado definir que haverá concorrência em determinadas áreas.

Vale finalmente ressaltar que a dispensa de licitação para contratar a PETROBRAS não inova no ordenamento jurídico infraconstitucional, já tendo sido adotada anteriormente pela própria Lei do Petróleo, nos arts. 32, 33 e 34.

Sob a égide dos dispositivos acima citados foram celebrados 397 contratos de concessão com a PETROBRAS, por dispensa de licitação, no que se convencionou chamar de Rodada Zero de Licitações da ANP.

c) A precificação da cessão onerosa

O balanceamento econômico-financeiro da cessão onerosa está assegurado pelo mecanismo contemplado pelo PLC para a avaliação dos direitos a serem cedidos. Esse mecanismo prevê a emissão de laudos independentes a serem produzidos por entidades certificadoras internacionais, que deverão observar as melhores práticas da indústria. Isto implica necessariamente uma justa valoração dos direitos, levando-se em consideração todas as variáveis necessárias à sua correta precificação, quais sejam: a curva de preço futuro de petróleo, o custo de produção, os royalties incidentes, os investimentos necessários, o grau de conhecimento das reservas, o volume de óleo, a curva de produção, a aplicação de uma taxa de desconto usual para transações congêneres. Trata-se de metodologia de avaliação de ativos (direitos de explorar e produzir petróleo e gás natural) de ampla adoção no mercado mundial.

Outra importante previsão do PLC é a de o valor de tais direitos será necessariamente revisto, tão logo se alcance maior conhecimento das variáveis envolvidas na avaliação, como forma de garantir que (i) a União receba efetivamente o valor econômico representativo da cessão onerosa no momento desta reavaliação e (ii) a PETROBRAS tenha pago o valor justo pelos direitos adquiridos.

d) A situação dos acionistas minoritários da PETROBRAS no regime de cessão onerosa

O regime de cessão onerosa não propiciaria, a priori, benefício ou lesão aos acionistas da PETROBRAS, minoritários ou não, porque, como o próprio nome do contrato diz, a cessão será onerosa, o que, em princípio, implica uma relação de equivalência de prestações. Assim sendo, os critérios de fixação do preço e da forma de aquisição dos direitos é que devem ter sua razoabilidade aferida.

Quanto a esse aspecto, o PLC estabelece que a valoração da cessão onerosa dar-se-á “a partir de laudos técnicos produzidos por entidades certificadoras, observadas as melhores práticas da indústria”, isto é, o valor a ser definido para a cessão onerosa será um valor que necessariamente refletirá a prática de mercado.

Desta forma, a União não será prejudicada, com benefício de minoritários da PETROBRAS, nem acionistas minoritários serão prejudicados, com consequente benefício da União. O PLC estrutura a operação para que esta garanta uma relação de troca justa e equilibrada entre a União, cedente dos direitos, e a PETROBRAS, cessionária dos mesmos.

Além disso, qualquer inexatidão na valoração inicial da cessão onerosa, decorrente do atual estágio de conhecimento das áreas que serão objeto desta cessão, deverá ser sanada com a revisão de valor que está prevista no PLC, em seu artigo 6º inciso V, que ocorrerá após a celebração do contrato. No momento da revisão, já se terá o conhecimento necessário para se definir, com a precisão adequada, os reais custos de investimentos e de operação, o que permitirá corrigir qualquer eventual imprecisão do valor inicial.

Eventuais contradições e conflitos de interesses - em especial o interesse público justificador de sua criação e o interesse dos acionistas minoritários em obter lucratividade - são inerentes à própria natureza híbrida das sociedades de economia mista. E, como a figura dessas sociedades encontra-se constitucionalmente positivada (p. ex., art. 37, XIX e 173, § 1º, da CF), ou seja, está expressamente admitida na Constituição, fica ao alvedrio do Legislador decidir quanto à criação e atribuição de atividades a sociedades de economia mista ou a outros modelos organizacionais deixados à sua disposição pelo Constituinte.

Em tal situação estariam, por exemplo, todas as inúmeras sociedades de economia mista federais, estaduais e municipais que receberam com exclusividade dos seus entes controladores a exploração de serviços públicos econômicos, muitos deles com grande potencial lucrativo e cobiçados pela iniciativa privada, como o fornecimento de água e a coleta de lixo domiciliar.

As especificidades da exploração e produção das jazidas do pré-sal, associada à importância que o assunto tem para o interesse coletivo, justificam a decisão política da União em utilizar a sua administração pública (através da contratação direta da PETROBRAS) para realizar atividade que considera estratégica e relevante para o interesse coletivo.

Dessa forma, não há inconstitucionalidades ou antijuridicidades no PLC nº 08, de 2010 e, no mérito, justifica-se plenamente a autorização à União para ceder onerosamente a PETROBRAS o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177 da Constituição, bem como para subscrever ações do capital social da PETROBRAS e integralizá-las com títulos da dívida pública mobiliária federal.

Quanto às emendas, apresentamos a seguir nossa análise e posição.

A Emenda nº 01 visa a excluir a possibilidade de a PETROBRAS devolver áreas de concessão relativas a campos terrestres em desenvolvimento ou em produção, como parte do pagamento pela cessão onerosa, num montante equivalente a 100.000.000 (cem milhões) de boe (barris de óleo equivalente) de petróleo e/ou gás de volumes recuperáveis. Assim, somos contrários à exclusão proposta, pela mesma justificativa pela qual tal disposição foi inserida no Projeto de Lei original, qual seja, estimular as empresas independentes de petróleo e gás natural de pequeno e médio porte.

Somos contrários à Emenda nº 02, tendo em vista que esta possui, em essência, o mesmo conteúdo da Emenda nº1.

As Emendas nºs 03 e 05 propõem, respectivamente, (i) o pagamento de uma compensação pela emissão de gases de efeito estufa decorrentes da exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, e (ii) a realização de estudos técnico-ambientais na identificação e delimitação geográfica das áreas objeto da cessão onerosa. Com relação à primeira proposição, somos contrários por já existirem compensações ambientais na legislação vigente No que tange à segunda proposição, somos contrários, já que estudos técnico-ambientais serão realizados após a assinatura do contrato, conforme estabelece a legislação vigente.

E, finalmente, manifestamos nossa contrariedade à Emenda nº 04, pois a pré-definição de valores, tanto para os barris relacionados à cessão onerosa, quanto para as áreas a serem potencialmente devolvidas pela PETROBRAS, fere as melhores práticas da indústria, que prescrevem metodologia específica e bem conhecida para se utilizar em tal situação. Além disso, o valor proposto na Emenda (25% do valor médio do petróleo) é incoerente, pois para a valoração devem ser considerados os investimentos, os custos operacionais e outros elementos, trazidos a valor presente, do que deverá resultar em um valor para o barril diferente do então proposto. Em verdade, o valor proposto na emenda muito provavelmente inviabilizaria a operação.


IV – VOTO

Ante as razões comentadas, voto pela APROVAÇÃO do PLC nº 08, de 2010, sem o acatamento das Emendas de n.ºs 01 a 05.

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